quinta-feira, 10 de maio de 2012

FÉNELON (François de Salignac de laMothe)


Texto elaborado por Carlos Alberto Iglesia Bernardo

Fénelon nasceu (ou foi batizado) em 6 de agosto de 1651 no Chateau de Fénelon (Périgord - França) e desencarnou em Cambrai em 7 de janeiro de 1715. Sua família era da nobreza, ilustre nas armas e na diplomacia, mas empobrecida. Sendo um dos filhos menores, seguindo um costume da época, ele foi destinado para a carreira eclesiástica e diz-se que começou seus estudos no colégio dos Jesuitas em Cahors. Continuou os Estudos junto aos Jesuítas em Paris e manteve contatos com o seminário de Saint-Sulpice.

Na sua existência terrena foi um orador, escritor e prelado frânces de grande influência. É considerado um precursor do Iluminismo e na pedagogia propôs idéias que seriam desenvolvidas por Rosseau e Pestalozzi. Contemporâneo de Luis XIV (5 de setembro de 1658 - 1 de setembro de 1715), o "Rei Sol", viveu o apogeu do Antigo Regime frânces. Foi preceptor do filho mais novo do rei e herdeiro do trono, o Duque de Borgonha, que desencarnou em 1712 sem chegar a assumir o trono. Suas obras são reeditadas na França até nossos dias e continuam a ser estudadas nas escolas como veículos para compreender a antiguidade clássica, a moral e as regras da arte de escrever. Jacques Le Brun, apresentando o volume com as obras Completas de Fénelon, diz que há em seus textos uma elegância inimitável, uma discreta sensibilidade pela beleza e uma harmonia entre a herança cultural e o moderno.

Como espírito, fez parte do grupo que acompanhou Kardec na Codificação Espírita. Assinou juntamente com outros espíritos ilustres o "Prolegônemos" de "O Livro dos Espíritos" e mensagens suas foram publicadas nas obras básicas e na Revista Espírita.

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Fénelon em muitos aspectos foi um homem de seu tempo, nascido em uma época e país onde a religião tinha uma importância para a vida das pessoas que é dificil de ser compreendida em nossos dias, foi Católico sincero. Mas defendeu o Catolicismo com eloquência, nunca com fanatismo, os sermões que restaram e os escritos que deixou mostram uma argumentação bem montada, sempre na busca do esclarecimento do ouvinte e nunca atacando-o. Neste aspecto pode-se dizer que destou de seus contemporâneos, pois enquanto governos e os povos ainda matavam pelas diferenças religiosas, a tolerância com os que tinham idéias diferentes da sua e a afabilidade com todos com que lidava foram traços marcantes de sua personalidade.

No século XVIII, antes da Revolução Francesa (1789), a Igreja era o único lugar onde a multidão podia ouvir grandes oradores. Existiam os sermões de quaresma, as grandes festas e os elogios fúnebres. O historiador Jacques Wilhelm (WILHELM, 1988) observa que enquanto as almas simples procuravam sobretudo as verdades da religião e uma exortação ao bem, as pessoas cultas buscavam também a perfeição da linguagem e a riqueza das idéias.

Fénelon, já no começo de sua carreira eclesiástica, chamou a atenção pela beleza e perfeição de seus sermões e foi nomeado em 1678 para diretor do "Institute des Nouvelles Catholiques" (Instituto dos Católicos Novos). Este instituição buscava reeducar na religião Católica as jovens de familias protestantes que haviam se convertido ao Catolicismo. Suas experiências pedagógicas o levaram a escrever em 1681 o livro "Traité de l'éducation des filles" (Tratado sobre a Educação de Meninas). Essa experiência lhe trouxe alguns problemas, pois a moderação com que tratava os protestantes e a recusa em impor aos convertidos práticas devocionacias exageradas ou desnecessárias, provocou inimizades e acusações de simpatia pelo Jansenismo.

Em 1685 ele escreveu uma obra teológica em refutação ao Jansenismo. Esta corrente religiosa defendia posições diferentes das adotadas pelo Catolicismo na relação do "Livre Arbitrio" e da "Graça Divina" com a questão da salvação humana. O livro se chamava le "Traité de l'existence de Dieu et de la réfutation du système de Malebranche sur la nature et sur la Grâce" (Tratado sobre a existência de Deus e de refutação ao sistema de Malebranche sobre a Natureza e a Graça).

Neste ano ele também viajou algumas vezes em missão de pregação. Luis XIV foi o responsável por estas viagens. Ele revogou o Édito de Nantes promulgado pelo rei Henrique IV em 13 de abril de 1598 que reconhecia os direitos religiosos e políticos dos protestantes na França e, entre outras medidas para convertê-los ao Catolicismo, enviou oradores brilhantes em missões de pregação pelas provincias onde eles tinham grande representatividade.

A reação imediata ao fim da tolerância limitada garantida pelo Édito de Nantes foi a migração em massa dos Huguenotes (como eram chamados os Protestantes franceses) para outros países da Europa e para a América. Cerca de 300.000 deixaram a França nessa época. Cultos e laboriosos, sua saída trouxe consequências graves para a economia francesa e, em conjunto com as continuas guerras travadas contra outras potências européias, agravou a miséria no campo e nas cidades.

O Quietismo e a Corte

Em 1684 chegou na França uma nova querela teológica a partir de uma doutrina pregada por Madame Guyon (Jeanne Marie Bouvier de La Mothe-Guyon, 13 de abril de 1638 - 9 de junho de 1717). Extremamente piedosa, ela tinha visões desde os 5 anos de idade e expôs suas idéias em uma obra de 1684 intitulada "Moyen court et très facile pour l'oraison" (Meio rápido e simples para orar). Ela era adepta do "Quietismo", movimento iniciado pelo teólogo espanhol Miguel de Molinos (nasceu em 1628 e morreu em Roma, na prisão, em dezembro de 1696). O Quietismo era assim chamado porque valorizava o estado de quietude interior e confiança em Deus em detrimento das práticas exteriores e da liturgia. É muito semelhante com as idéias de Juan de La Cruz (1542-1591) e de Teresa de Jesus (1515-1582). O Quietismo foi condenado como heresia em 1687 pelo Papa Inocêncio XI (1676-1689) na bula "Coelestis Pastor".

Fénelon é apresentado a Madame de Maintenon, casada secretamente com Luis XIV, em 1688 e se torna seu conselheiro espiritual. É através de Madame de Maintenon que ele toma conhecimento das idéias de Madame Guyon, vindo a conhecê-la no inverno de 1688-1689. As idéias de Madame Guyon causam profunda impressão a Fénelon e durante os anos seguintes ele mantem correspondência com ela.

Em 1689 Fénelon é indicado para preceptor do herdeiro do trono, que estava então com sete anos de idade, e inicia nova etapa em sua vida. É uma fase fecunda, em que escreve suas principais obras literarias e em que exerce sua maior influência política e religiosa. Principalmente ele procurou formar moralmente o herdeiro real, orientando-o para que se tornasse um bom governante.

Em 1693 ele foi admitido na Acadêmia Francesa. Para a instrução de seu aluno real ele escreve a partir de 1694 "les Dialogues des Morts" (Os Dialogos dos Mortos), "les Fables" (as Fábulas) e os contos que compõe "Les Aventures de Télémaque, fils d'Ulysse" (As aventuras deTelemáco, filho de Ulisses). Esse período brilhante da vida de Fénelon atinge seu apogeu em 4 de fevereiro de 1695 quando ele foi nomeado Arcebispo da diocese de Cambrai.

Os problemas políticos e o Banimento

A situação de Fénelon começa a se reverter quando ele se opõe a Bousset - uma das principais vozes do episcopado francês no reinado de Luis XIV - na questão do Quietismo e escreve um texto em defesa de Madame Guyon, "Explication des maximes des saints sur la vie intérieure" (Explicação das máximas dos santos sobre a vida interior - 1697) que acaba sendo condenado pelo Papa Inocêncio XII. A pregação de Fénelon também começa a gerar inqueitação na corte e nos meios religiosos, sua defesa das idéias quietistas gera uma efervescência espiritual que é mal vista pela hierarquia da Igreja.

O Catolicismo era a religião de estado na França do Antigo Regime e os dois poderes, o civil e o eclesiástico exerciam um controle rigoroso das consciências. A Igreja prestava serviço ao poder político legitimando-o e apoiando a ordem estabelecida de todas as formas e, por outro lado, a monarquia a defendia, mantendo-lhe os privilégios e reprimindo com todo rigor quem se afastasse dela. Assim religião e a política estavam de tal forma ligadas no reinado de Luis XIV que Madame Guyon acabou sendo considerada inimiga do estado e presa em 1698. Por acreditar que era possivel ligar o ser humano a Deus diretamente, sem intermediação da Igreja, permaneceu 5 anos encarcerada na Bastilha e depois foi banida para Blois.

Como dito acima, Fénelon ao escrever a obra Telêmaco criou um verdadeiro programa de educação moral para seu aluno. O objetivo da obra era formar-lhe o caráter para que, ao assumir o trono, fosse um bom governante, sem fanatismos e preocupado com o bem estar do seu povo. O problema é que assim que em 1698 começaram a circular na corte as primeiras cópias do texto, Luis XIV a viu como uma critíca direta a seu comportamento e a sua política.

Em janeiro de 1699 Fénelon foi afastado de seu cargo de preceptor do herdeiro ao trono. Em maio de 1699, quando Telemáco é publicado, Fénelon é banido da Corte. Aceitando com humildade o revés em sua situação retirou-se para sua diocese. A partir de então viveu uma vida regular e austera, ritmado pelas visitas as paroquias de sua diocese, as suas predicações e homilias aos seminaristas. Ao redor de Fénelon ficaram a familia e os amigos. Deu conselhos políticos aos que o procuraram nas crises por que passou a França nos últimos anos de Luis XIV, mas o rei não lhe permitiu jamais voltar a Paris e recusou todos os pedidos que lhe foram feitos neste sentido.

Desencarnou em 1715 deixando muitas obras - em geral sobre assuntos políticos, de educação e de religião - e a fama de homem de bem que persiste até nossos dias.

Fénelon - Espírito

As mensagens de Fénelon, registradas nas obras básicas e na Revista Espírita, mostram que a formação moral do homem terrestre continua sendo o centro de suas atividades. É o educador e conselheiro, profundo conhecedor do ser humano, que com sua característica benevolência segue trabalhando no plano espiritual. Transcrevemos abaixo a resposta de Fénelon à questão 917 do Livro dos Espíritos (tradução de J. Herculano Pires, edição FEESP):

Qual é o meio de se destruir o egoísmo?

De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de desenraizar é o egoísmo, porque se liga à influência da matéria, da qual o homem, ainda muito próximo da sua origem, não pode libertar-se. Tudo concorre para entreter essa influência; suas leis, sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a vida material, e sobretudo com a compreensão que o Espiritismo vos dá quanto ao vosso estado futuro real e não desfigurado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as crenças, transformará os hábitos, as usanças e as relações sociais. O egoísmo se funda na importância da personalidade; ora, o Espiritismo bem compreendido, repito-o, faz ver as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece de alguma forma perante a imensidade. Ao destruir essa importância, ou pelo menos ao fazer ver a personalidade naquilo que de fato ela é, ele combate necessariamente o egoísmo.

É o contato que o homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna geralmente egoísta, porque sente a necessidade de se pôr na defensiva. Vendo que os outros pensam em si mesmos e não nele, é levado a ocupar-se de si mesmo mais que dos outros. Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações legais de povo para povo e de homem para homem, e este pensará menos em si mesmo quando vir que os outros o fazem; sofrerá, assim, a influência moralizadora do exemplo e do contato. Em face do atual desdobramento do egoísmo é necessária uma verdadeira virtude para abdicar da própria personalidade em proveito dos outros, que em geral não o reconhecem. É a esses, sobretudo, que possuem essa virtude, que está aberto o reino dos céus; a eles sobretudo está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que no dia do juízo quem quer que não tenha pensado senão em si mesmo será posto de lado e sofrerá no abandono. (Ver item 785).

FÉNELON

Bibliografia

ARNAULT e LANCELOT. Gramática de Port-Royal. Tradução de Bruno Fregni Bassetto e Henrique Graciano Muracho. São Paulo: Martins Fontes, 1992. (Este livro traz uma boa introdução sobre o Jansenismo).

FÉNELON. Oeuvres. Compilação e Introdução de Jacques Le Brun. França: Éditions Gallimard, 1983

FILHO. J. A. Índice Bio-Bibliográfico. In: Vol. XVIII da coleção das Obras Completas de Allan Kardec. São Paulo: EDICEL, 1976.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. In: GEAE. Disponível em: . Tradução de J. Herculano Pires, publicada no site do GEAE com autorização da FEESP em 1995.

WIKIPEDIA. Fénelon. In: Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em: . Acesso em 28 de fevereiro de 2006.

WILHELM. J. Paris no Tempo do Rei Sol. Tradução Cassia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Companhia das Letras 1988.

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