segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Rei Tut: segredos de família - Parte 3

Inlaid Diadem with Vulture and Cobra. Gold, glass, obsidian, carnelian, malachite, chalcedony, lapis lazuli. Dynasty 18, reign of Tutankhamun (1332–1323 B.C.). Thebes, Valley of the Kings, tomb of Tutankhamun

Os resultados de nossa análise de DNA, divulgados em fevereiro de 2010 no Journal of the American Medical Association, convenceram-me de que a genética pode ser um novo e poderoso instrumento para ampliar o entendimento da história egípcia, sobretudo quando associada a estudos radiológicos das múmias e aos indícios colhidos nos registros arqueológicos.

Isso se mostrou mais que evidente em nossa tentativa de entender a causa da morte de Tutankhamon. Quando iniciamos o novo estudo, Ashraf Selim e seus colegas toparam com algo que antes passara despercebido nas tomografias da múmia: Tutankhamon tinha o pé esquerdo deformado, faltava um osso num dos dedos e os ossos de parte do pé estavam destruídos por uma necrose. A má-formação do pé e a doença óssea teriam prejudicado sua capacidade de locomoção. Os estudiosos já haviam notado que, em sua tumba, foram achadas 130 bengalas, com algumas mostrando sinais claros de uso.

Alguns deles argumentaram que tais bastões eram símbolos comuns de poder e que a deformação no pé de Tutankhamon pode ter sido causada durante o processo de mumificação. No entanto, nossa análise mostrou que havia ocorrido reconstituição óssea como reação à necrose, comprovando que ele foi afetado pelo problema ainda vivo. Além disso, de todos os faraós, Tut é o único que, nas imagens, aparece sentado enquanto realiza atividades como atirar flechas ou arremessar lanças. Esse não era um soberano que empunhava um bastão apenas como símbolo de poder. Era um jovem que precisava de bengala para andar.

Embora incapacitante, a doença óssea de Tutankhamon, por si mesma, não teria sido fatal. Submetemos sua múmia a exames visando a identificação de traços genéticos de várias enfermidades infecciosas. Eu tinha dúvidas de que os geneticistas fossem capazes de achar tais indícios - e me enganei. Com base na presença de DNA de várias linhagens do parasita Plasmodium falciparum, é inegável que Tutankhamon sofria de malária - na verdade, o faraó contraíra inúmeras vezes a forma mais grave da doença.

Foi a malária que causou sua morte? É possível. A doença pode desencadear uma reação fatal, com choque circulatório, hemorragia, convulsões, coma e óbito. Porém, como salientado por outros cientistas, a malária era comum na região naquela época, e Tut pode ter adquirido imunidade parcial à doença. Por outro lado, ela também poderia ter debilitado seu sistema imunológico, tornando-o mais vulnerável a possíveis complicações advindas da fratura não cicatrizada na perna que constatamos em 2005.

Em minha opinião, contudo, a saúde de Tutankhamon já estava comprometida desde o momento em que foi concebido. O pai e a mãe dele eram irmãos. O Egito dos faraós não foi a única sociedade na história a institucionalizar o incesto régio, que pode apresentar vantagens políticas. Mas irmãos que se casam entre si correm risco maior de transmitir cópias gêmeas de genes danosos, tornando seus filhos vulneráveis a vários defeitos congênitos. O pé malformado de Tutankhamon pode ser resultado disso. Desconfiamos também que ele tinha uma fenda palatina parcial, outro defeito congênito. Talvez se debatesse com outros problemas desse tipo, até que um surto mais grave de malária, ou uma perna quebrada em acidente, tenha sido a gota d’água para um organismo em precário equilíbrio.

É possível que haja outros testemunhos pungentes do legado do incesto régio, sepultados ao lado de Tutankhamon em seu túmulo. Embora os dados ainda estejam incompletos, nosso estudo sugere que um dos fetos mumificados que foram achados ali pode ser a filha do próprio Tutankhamon, e que o outro também seja filho dele. Até agora, apenas conseguimos reunir dados parciais das duas múmias femininas da tumba KV21. Uma delas, identificada como KV21A, talvez seja a mãe dos natimortos e, portanto, a esposa de Tutankhamon, Ankhesenamon. Pelo registro histórico, sabemos que era filha de Akhenaton e Nefertiti - portanto, meia-irmã do marido. Outra consequência possível da endogamia é a dificuldade para levar a bom termo a gravidez, por causa de defeitos genéticos.

Portanto, talvez essa seja a conclusão da peça, com um jovem faraó e sua rainha tentando em vão dar à luz um herdeiro vivo ao trono do Egito. Entre os inúmeros e esplêndidos objetos sepultados com Tutankhamon há uma pequena caixa revestida de marfim na qual foi entalhada uma cena do casal régio. O rei Tut está apoiado em uma bengala enquanto a rainha lhe oferece um buquê de flores. Nessa e em outras imagens, eles parecem desfrutar de um amor sereno.

O fracasso desse amor em dar frutos significou o fim não apenas de uma família mas de toda a dinastia. Sabemos que, após a morte de Tut, uma rainha egípcia, provavelmente Ankhesenamon, fez um apelo ao rei dos hititas, os grandes inimigos do Egito, pedindo-lhe que enviasse um príncipe para desposá-la, pois "meu marido está morto, e não tenho filhos". O soberano atende ao pedido, mas o seu filho morre antes de chegar ao destino. Na minha opinião, ele foi assassinado por Horemheb, o comandante dos exércitos de Tutankhamon, que depois acaba se apoderando do trono. Mas Horemheb também morre sem descendentes e deixa o trono a outro militar.

Esse comandante assume o poder com o nome de Ramsés I. O novo faraó dá início a outra dinastia, que, sob o governo de seu neto, Ramsés II, vai conduzir o Egito a um novo auge de poder imperial. Mais que qualquer outro, esse soberano dedica-se a apagar da história todos os resquícios de Akhenaton, Tutankhamon e outros "heréticos" do período Amarna. Com nossas investigações, procuramos honrá-los e manter viva sua memória.

Fonte: http://viajeaqui.abril.com.br/

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