segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Rei Tut: segredos de família - Parte 2


No centro desse estudo estava Tutankhamon. Se o processo de extração e isolamento fosse bem-sucedido, o DNA dele seria capturado sob a forma de uma solução líquida translúcida, pronta para ser analisada. Para nossa decepção, contudo, as soluções iniciais eram todas de coloração escura e opaca. Seis meses de trabalho duro foram necessários para descobrirmos uma forma de eliminar o contaminante - algum produto ainda hoje desconhecido no processo de mumificação - e conseguirmos uma amostra adequada para ser amplificada e sequenciada.

Depois de retirarmos também o DNA das três outras múmias masculinas - Yuya, Amenhotep III e o KV55 -, tentamos esclarecer a identidade do pai de Tutankhamon. Nessa questão crítica, os registros arqueológicos eram incertos. Em várias inscrições de seu reinado, Tut refere-se a Amenhotep III como sendo o seu pai, mas isso não pode ser considerado conclusivo, pois o termo usado pode ser interpretado como "avô" ou "antepassado". Além disso, de acordo com uma cronologia aceita, Amenhotep III morreu uma década antes do nascimento de Tutankhamon.

Muitos estudiosos estão convencidos de que seu pai foi, em vez disso, Akhenaton. Em apoio a essa posição há um bloco quebrado de calcário com inscrições nas quais tanto Tutankhaton como Ankhesenpaaton são chamados de filhos amados do faraó. Como sabemos que Ankhesenpaaton era filha de Akhenaton, podemos deduzir que Tutankhaton (mais tarde Tutankhamon) também era filho dele. Porém, nem todos cientistas consideram tal indício conclusivo, e argumentam que o pai de Tut seria Smenkhkare. Sempre me inclinei à opção de Akhenaton, mas isso nunca passou de uma hipótese.

Uma vez isolado o DNA das múmias, seria simples comparar os cromossomos Y de Amenhotep III, do KV55 e de Tutankhamon, e ver se havia relação entre eles. (Indivíduos do sexo masculino aparentados exibem o mesmo padrão de DNA em seus cromossomos Y, pois essa parte do genoma masculino é herdada do pai.) Porém, esclarecer o relacionamento exato entre eles requeria um tipo mais sofisticado de comparação genética. Ao longo dos cromossomos em nosso genoma existem determinadas regiões já mapeadas nas quais os padrões das letras do DNA - os As, Ts, Gs e Cs que compõem o nosso código genético - variam muito de uma pessoa para outra. Essas variações equivalem a quantidades distintas das sequências repetidas dessas mesmas letras. Enquanto um indivíduo pode ter uma sequência de letras repetida dez vezes, outro não aparentado pode ter a mesma sequência repetida 15 vezes, um terceiro 20 vezes e assim por diante. Uma correlação entre dez dessas regiões variáveis é suficiente para o FBI concluir que o DNA colhido na cena de um crime e o DNA de um suspeito são idênticos.

Contudo, para reunir os membros de uma família separada há 3,3 mil anos, não é preciso tanto rigor quanto o exigido para solucionar um crime. Comparando apenas oito dessas regiões variáveis, nossa equipe foi capaz de determinar, com probabilidade superior a 99,99%, que Amenhotep III era o pai do indivíduo na KV55, o qual por sua vez era o pai de Tutankhamon.

Já sabíamos que estávamos diante do corpo do pai do faraó-menino - mas, por outro lado, ainda continuávamos ignorando quem era ele. Nossos principais suspeitos eram Akhenaton e Smenkhkare. A tumba KV55 continha um depósito oculto de material que se imagina ter sido levado a Tebas por Tutankhamon de Amarna, onde Akhenaton (e talvez Smenkhkare) havia sido sepultado. Embora os cartuchos - as molduras oblongas em torno dos nomes do faraó - tenham sido obliterados no ataúde, ainda restaram epítetos associados apenas a Akhenaton. A maior parte das análises forenses havia concluído que o corpo no interior do ataúde era de um homem de 25 anos de idade no máximo - ou seja, jovem demais para ser Akhenaton, que aparentemente teve duas filhas antes do início de seu reinado de 17 anos. Portanto, a maioria dos estudiosos desconfiava que aquela múmia pertencia ao enigmático faraó Smenkhkare.

Agora uma nova testemunha podia ser convocada para nos ajudar a resolver o mistério. A múmia da chamada Dama Mais Idosa (KV35EL) continua graciosa mesmo na morte, com seu longo cabelo ruivo que chega aos ombros. Um fio havia antes se mostrado idêntico, em termos morfológicos, a uma mecha de cabelo achada em um dos pequenos ataúdes, encaixados uns nos outros, dentro do túmulo de Tutankhamon, e nele estava inscrito o nome da rainha Tiye, a esposa de Amenhotep III - e mãe de Akhenaton. Ao comparar o DNA da Dama Mais Idosa com o das múmias dos pais conhecidos de Tiye, Yuya e Tuyu, comprovamos que era mesmo a rainha Tiye. E, graças a ela, seria possível verificar se a múmia KV55 era de fato seu filho.

Os exames de DNA confirmaram tal relação. Novas tomografias da múmia KV55 também revelaram uma degeneração, associada à velhice, na coluna vertebral, assim como osteoartrite nos joelhos e nas pernas. Constatou-se que ele morrera com idade mais próxima dos 40 anos que dos 25, como antes se pensava. Com a discrepância na idade solucionada, dava para concluir que a múmia KV55, o filho de Amenhotep III e da rainha Tiye, e pai de Tutankhamon, pertence, quase com certeza, a Akhenaton. (Mas, como sabemos muito pouco a respeito de Smenkhkare, não há como excluí-lo de uma vez por todas.)

A rodada de tomografias das múmias também nos permitiu excluir a ideia de que a família sofria de uma enfermidade congênita, como a síndrome de Marfan, que poderia explicar os rostos alongados e a aparência feminilizada evidentes na arte do período Amarna. Nenhuma patologia foi detectada. Em vez disso, a aparência andrógina de Akhenaton parece ser consequência estilística de sua identificação com a divindade Aton, que era ao mesmo tempo masculina e feminina e por isso a fonte de toda a vida.

E quanto à mãe de Tutankhamon? Para nossa surpresa, o DNA da chamada Dama Mais Jovem (KV35YL), encontrada ao lado de Tiye na alcova da KV35, era semelhante ao do faraó-menino. Mais assombroso ainda, o DNA dela comprovou que, tal como Akhenaton, ela era filha de Amenhotep III e Tiye. Ou seja: Akhenaton havia tido um filho com a própria irmã. E o menino ficaria conhecido como Tutankhamon.

Com essa descoberta, agora sabemos que é bem pouco provável que uma das esposas conhecidas de Akhenaton, seja Nefertiti, seja uma outra mulher chamada Kiya, fosse a mãe de Tutankhamon, pois nada no registro histórico diz que qualquer uma delas era irmã do faraó. Conhecemos o nome das cinco filhas de Amenhotep III e Tiye, mas provavelmente jamais saberemos qual delas teve um filho com o irmão, Akhenaton. O incesto não era incomum entre a realeza do Antigo Egito. Nesse caso, porém, creio que ele foi a semente que levaria à morte prematura do filho desse casal régio.

Fonte: http://viajeaqui.abril.com.br

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