terça-feira, 24 de março de 2009

JOANA D´ARC

Cavalgava à frente do rei, armada dum arnês completo, com o estandarte desfraldado. Quando desarmada, trazia vestuário de cavaleiro, sapa­tos atados acima dos pés, gibão e calções justos, um capuz na cabeça; usava trajes muito nobres, de brocado de ouro e de sêda, bastante grossos. Ela era bela e bem feita, robusta e infatigável, tendo ao mesmo tempo um ar risonho e as lágrimas fáceis. Tem bom porte quando em armas e o busto belo. Suas sobrancelhas finamente desenhadas, sombreando belos olhos pardos, davam-lhe unia expressão de doçura infinita ao olhar inspirado. Os cabelos eram prêtos e cortados curtos “em escudela”, de maneira a formarem na cabeça uma espécie de calota, se­melhante a um tecido de sêda escura. O semblante da heroína, de traços regulares, tinha o cunho da doçura e da modéstia. Modelavam-lhe o corpo linhas cheias e harmoniosas. Desde os primeiros dias, surpreendem e encantam seus gestos desembaraçados de menina, sua graciosa flexibilidade em tôdas as circunstâncias e partícularmente em trajes guerreiros a cavalo, em- punhando a lança ou a bandeira. Enfim, o cândido fulgor de sua virgindade e a chama da inspiração lhe espargiam por sôbre o conjunto “uma virtude secreta, que afastava os desejos carnais”, impondo respeito e atenção aos mais sensuais. Cobrem-na brilhantes atavios de guerra. As vestes e a bandeira são de alvos e preciosos tecidos, como convinha, para lembrarem sua castidade e a missão angélica a que esta se achava ligada. Um suave reflexo lhe irradiava do semblante iluminado por um pensamento íntimo. A alma, até certo ponto, esculpe os traços de seu invólucro. Por aí podemos fazer idéia da beleza daquele ser excepcional, do luzeiro nêle oculto e que, fulgurando-lhe na fisionomia, em todos os seus atos rebrilha. Dela emanava uma serenidade, um eflúvio que envolviam todos os que se lhe aproximavam, acalmando os mais insubmissos. No torvelinho das batalhas e dos acampamentos, conserva sempre a calma, que é o apanágio das almas superiores. Aparece como uma flor das campinas da França, esbelta e robusta, fresca e perfumada. Em seu caráter se casam e se fundem as qualidades aparentemente mais contraditórias: a fôrça e a brandura, a energia e a meiguice, a providência e a sagacidade, o espírito arguto, engenhoso, penetrante, que em poucas palavras, nítidas e precisas, deslinda as mais difíceis questões, aclara as situações mais ambíguas. Uma efluência do Além lhe aureola a fronte bela e grave e à emoção que incute se agrega ­um sentimento de respeito. Sempre ponderada e circunspecta, alia a humildade da camponesa à nobreza da rainha, uma pureza absoluta a uma extrema audácia. A glória que a cinge parece-lhe tão natural que nunca lhe ocorre envai­decer-se dela. Sob uma certa ingenuidade gaulesa que a enfaixa, nela se expande um senso profundo dos sêres e das coisas, o qual, nos momentos decisivos, lhe sugere as inflexões capazes de atear o ardor nas almas e de, nos corações, reavivar os sentimentos fortes e generosos. Era muito circunspecta e pouco loquaz, mas, quando falava, sua voz tinha vibrações que penetravam no íntimo dos ouvintes, nos quais sensibilizava fibras que lhes eram desconhecidas e que nenhum poder lograva ainda espertar a tal ponto. Simples e despretensiosa, preferia esquivar-se às “adorações” da multidão. Tinha paixão pelas belas armaduras e revelava um esmêro muito puro e distinto nas mais insignificantes minudências do trato de sua pessoa e de seu vestuário. Os cortesãos lhe admiravam esses cuidados e as próprias damas muito naturalmente a houveram tomado por uma de sua hierarquia, tais a graça e a distinção que se lhe notavam. Valente ao ponto de, nos combates, desafiar alegremente a morte, sem jamais dá-la a quem quer que fôsse, adorâvelmente mulher, não dissimulava o contentamento por possuir brilhantes armas e belos cavalos negros, sobretudo por serem êstes tais e tão maliciosos que ninguém se atreveria a montá-los. Seu misticismo, de ordem elevada, associando o sentimento do belo ao do bem, nada tinha de comum com essa espécie de ascetismo que faz da negligência com o corpo e do exte­rior sórdido uma virtude e que parece ter por ideal o feio. Tinha a pureza duma virgem e a intrepidez de um capitão; o recolhimento com que ora no templo e a viveza jovial nos acampamentos; a simplicidade de uma campônia e os gostos delicados de uma dama de alta estirpe; a graça, a bondade, de par com a audácia, a fôrça, o gênio. Era uma missionária, uma enviada, um médium de Deus e, como em todos os missionários do Céu, para salvação dos povos, três grandes coisas nela preponderam: a inspiração, a ação e, por fim, a paixão, o sofrimento, que é o fecho, a apoteose de tôda existência digna. O que na sua personalidade, porém, predomina, é o espírito de sacrifício, é a bondade, o perdão, a caridade. (Do livro “Joana D’Arc” (Médium), de Léon Denis, págs. 245, 244, 245, 247, 248, 249, 252, 255, 255, 256 e 258 da 6ª ediçáo da FEB. Trata-se apenas de elementos retirados do próprio processo de Joana D’Arc, configurando, pois, descritivas e pareceres absolutamente históricos.)

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